Vila de São Jorge, Chapada dos Veadeiros

Viagens dos papais #1 – Chapada dos Veadeiros, 2012, por Claudio Vitor Vaz

Após 10 anos (2012), A Tribuna volta à vila de São Jorge, porta de entrada do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, para saber o que mudou nesta pacata vila goiana

A vila de São Jorge se aproxima. O coração já não dispara como nas primeiras vezes. Esta chegada parece um regresso a Santos ou a qualquer outra cidade em que já vivi. Está escuro, mas o caminho está certo: a estrada Alto Paraíso sentido Colinas é mesmo aquela, parte de asfalto, parte de cascalho e terra vermelha. O cheiro da vegetação é inconfundível e estimula a minha imaginação.

Como estão os personagens que conheci nas minhas primeiras viagens à São Jorge? Será que pequena vila mudou muito? Eu, sim, mudei. Já não sou mais aquele mochileiro solitário de há dez anos, com uma mochila nas costas, algum dinheiro no bolso e muita vontade de chegar a qualquer destino. Contínuo sendo adepto do mochilão, mas hoje tenho responsabilidades com a profissão que escolhi, e uma pequena filha, a quem quero um dia mostrar alguns lugares que já conheci.

Pronto, aqui estou em São Jorge mais uma vez. Os escassos postes de luz amarela iluminam o mesmo centro da vila que eu tenho nas recordações e o mesmo bar que entrei quando cheguei à vila pelas primeira e segunda vez. Porém, desta vez não sou recebido naquele bar com o abraço do senhor João Lúcio, que partiu em 2010 para os céus estrelados que gostava de contemplar.

Agora é o novo proprietário do bar quem me recebe, o baiano de Campo Formoso que batizou o estabelecimento com o mesmo nome que é conhecido na vila: Lanche “Valtinho das Pedras”. Valtino Vito chegou a São Jorge em 1994, à procura de pedras para revender, mas acabou trabalhando como guia turístico por seis anos. Batalhou e montou uma lojinha de pedras de cristal bem ao lado do bar que tem hoje. Quatro anos depois da partida de João Lúcio, em 2010, Valtinho comprou o bar da viúva do amigo, Dona Ana, e passou a gerir a sua lojinha de cristais e o bar em simultâneo.

O bar é como um posto de informações não-oficial para os recém-chegados a São Jorge: por estar no centro da vila, por ser o último a fechar e pelo dono cultivar o mesmo habito do velho João Lúcio, que é o de gostar de conversar com os viajantes.

Depois de saber as novidades da vila e as curiosas histórias sobre o fim do mundo no dia 21 de dezembro, despedi-me de Valtinho. Tinha que descansar para ver São Jorge de dia e procurar as atrações naturais que a minha memória nunca deixou de revisitar.

Mudanças à vista

Ecopousada Cristal da Terra, em São Jorge

Logo pela manhã, vejo que algo realmente mudou. Não em São Jorge, mas em mim. Algo trivial em minhas viagens tinha acontecido, mas que especialmente nesta nova visita à Chapada foi bem significativo.

Na manhã do primeiro dia eu havia acordado numa pousada e estava a tomar um café da manhã. Um tanto normal para a maioria das pessoas, até mesmo para mim, mas o fato curioso é que foi a primeira vez que acordei em São Jorge sem se numa barraca de camping e não preparei o meu próprio café numa fogueira. Outra coisa fazia aquela refeição matinal ser especial, e não era a louça de porcelana, a tapioca feita na hora ou delicioso suco de carambola…

Era a presença de um casal e uma criança na mesa ao lado… Já havia reparado em muita coisa em São Jorge, menos em famílias a viajar com crianças… Mas aquela cena me chamou a atenção.

Depois de terminarem o café, a mãe levantou-se com uma mochila preparada para o passeio, o pai colocou o menino nas costas, dentro de uma espécie de mochilão para crianças, e o pequeno, despediu-se de todos os hóspedes presentes com um sorriso de quem está mais habituado a caminhadas e picadas de mosquito do que tardes num shopping center.

Há muito tenho reparado em crianças viajantes com os seus pais por onde passo, mas ali em São Jorge isto parecia tomar um outro significado. Debrucei-me sobre o assunto e comecei a pensar no que seria preciso para levar uma criança a um Parque Nacional… Sim, definitivamente eu havia mudado.

O clima na Chapada

Saltos da Cachoeira de 80mts no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, Goiás Fotos: Claudio Vitor Vaz

Heráclito dizia que não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque as águas nunca são as mesmas e nós nunca somos os mesmos. Cheguei ao Vale da Lua a pensar nesta frase. De fato, naquela manhã, nem eu nem o rio São Miguel pareciam os mesmos de há dez anos. Diferentemente da época seca (entre abril e setembro) das primeiras visitas, esta foi a primeira vez que visitei o cerrado na época das chuvas (entre outubro e março).

Um espetáculo à parte, tamanha a quantidade de água correndo pelas rochas do Vale da Lua, modeladas por anos e anos de atrito entre areia e água. “Maior deve ser a atenção dos país na altura das chuvas, mas, no geral, há sítios seguros para toda a família nesta época do ano” diz Tomás, residente na região, acostumado a levar os três filhos e a esposa ao Vale da Lua. Mas se engana quem pensa que é seguro visitar a Chapada sem guias.

Ao contrário de Tomás, que conhece bem as águas do São Miguel, “não é aconselhável fazer passeios sem a companhia de guias na maioria das atrações da Chapada”, lembra o ex-garimpeiro Wilson José Dourado. ‘Filho’ de São Jorge, Wilson começou a garimpar aos 7 anos de idade e, como ele mesmo diz, “conhece toda a região como a palma da sua mão”.

Aos 58 anos de idade, com cabelos grisalhos, barba branca e a pele queimada de quem passou a vida sob o sol, Wilson se orgulha de ter sido a primeira pessoa a guiar uma família no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, criado por decreto de Juscelino Kubitschek em 1961.

“Em 1970, uma família de São Paulo me pediu para levá-los para ver o salto do Santana. Lá de cima o homem da família usou um instrumento e calculou que o salto tinha 120 metros de altura. Depois fomos ao topo do salto do Garimpão e o homem mediu outra vez e disse que ali a altura era de 80 metros. Lembro-me como se fosse hoje”, conta Wilson na varanda da sua casa, em São Jorge.