De Campinas a Jaguariúna, estrada natural

A boa e velha Maria Fumaça do trajeto Campinas-Jaguariúna-Campinas. Foto: Claudio Vitor Vaz

“Ponta de Areia, ponto final/Da Bahia a Minas/Estrada natural”…

Assim começa a canção Ponta de Areia, do grande cantor e compositor mineiro Milton Nascimento. A composição, que marcou época e gerações, foi a que escolhemos para ninar a nossa filha, desde os primeiros dias de seu nascimento. E acreditamos que essa linda melodia faz parte do inconsciente da nossa menina, pois, quando ela tinha cerca de 1 ano, bastava escutar seus primeiros acordes para ela chorar copiosamente, um choro doído de saudade daquilo que nem ela sabia direito, mas descobriu agora, aos 3 anos, num passeio de Maria Fumaça, de Campinas a Jaguariúna, O primeiro passeio de Maria Fumaça de nossas vidas.

Placa da locomotiva de 124 anos construída na cidade de Filadélfia, Pensilvânia. EUA. Foto: Claudio Vitor Vaz

“Que ligava Minas ao porto ao mar/Caminho de ferro, mandaram arrancar”…

Foi emocionante ver de perto aquele milagre do século 19 e 20, feito de ferro e de aço, cuspindo fumaça de carvão e de vapores d’água e apitando forte, como que para gritar que sua morte, muitas vezes anunciada, ainda não se concretizou. Essa relíquia da história dos transportes, que revolucionou para melhor a economia e a vida de tanta gente, pode ser vista, visitada e experimentada num passeio muito gostoso como o que fizemos, entre as cidades de Campinas e Jaguariúna, no Interior de São Paulo.

Aguardando o apito da Maria Fumaça. Foto: Claudio Vitor Vaz

“Velho maquinista, com seu boné/Lembra o povo alegre/Que vinha cortejar”…

Saímos de Santos cedinho, rumo a Campinas, a cerca de 180 Km. Sem sabermos, a cidade do interior paulista estava comemorando 225 anos de fundação. Pegamos nosso sobrinho e primo de Maria Paula, o campineiro Pablo, de 4 anos, e chegamos à Estação Anhumas às 9h30, a tempo de trocar os vouchers pelos bilhetes do passeio das 10h. Os ingressos podem ser adquiridos na internet. A estação, que tem 93 anos de existência e será cenário para a nova novela das 21h na Globo, Éramos Seis, estava lotada de gente de outras cidades do Interior, a maioria vinda de excursões. Muitas crianças, famílias e idosos. Jovens, havia poucos. Ao pisarmos a plataforma, lá estava ela, repousando soberana sobre os trilhos. Com sua carapaça preta e vermelha que reluzia sob o sol, a locomotiva estava carregada de toras de madeira que alimentam a fornalha, de onde tira energia.

Antes de começar o passeio, um pouco de história para a criançada. Foto: Claudio Vitor Vaz

“Maria Fumaça não canta mais/para moças, flores, janelas e quintais”…

Como canta Milton na canção, de fato, a Maria Fumaça que percorria os trilhos de Minas a Bahia, até a pequena comunidade da cidade litorânea Ponta de Areia, não canta mais faz tempo, deixando um museu de casas e estações abandonados, resquícios de um passado glorioso. Mas entre Campinas e Jaguariúna, graças ao trabalho da Associação Brasileira da Preservação Ferroviária (ABPF), a Maria Fumaça ainda canta, e forte. Enquanto aguardávamos a saída do comboio, conversamos com um ‘velho maquinista’, o Marcos Felipe, mais conhecido como ‘Alemão’. Trabalhando há dez anos na Maria Fumaça, ele, aos 54 anos, nunca andou no comboio como passageiro, só como maquinista mesmo. Sua história com a locomotiva começou quando entrou como voluntário na Oficina Carlos Gomes, que faz os reparos nas máquinas. No trem de 124 anos, sua paixão, ele faz de tudo, desde ajudar a carregar a lenha e alimentar a fornalha a pilotá-lo.

“Na praça vazia/Um grito, um ai/Casas esquecidas/Viúvas nos portais”…

Na plataforma, enquanto aguardávamos os preparativos para a viagem, um integrante da ONG, de boné de maquinista, falou algumas importantes palavras sobre a história das ferrovias e seu passado de glória, e sobre a importância da preservação da nossa memória por meio daquele museu vivo e pulsante. “A Maria Fumaça tem as cores do café (preto e vermelho, as cores das sementes), representando as riquezas do Brasil (…) A ferrovia ligava Campinas, Jaguariúna, Mogi Mirim, Mogi Guaçu, Casa Branca, Cravinhos, São João da Barra, Uberaba e Araguari (MG) e cidades do Paraná. O trem levava café para Santos, de onde embarcava para a Inglaterra (…) Com o advento do automóvel, o trem foi esquecido”.